Às vezes, os defensores do catolicismo romano, inquiridores e até mesmo docentes nas catedrais britânicas e europeias deixam a impressão de que a Reforma se infiltrou na igreja e roubou cinco sacramentos antigos quando ninguém estava vendo. Isso é completamente falso. Não foi até o final do século treze que houve um reconhecimento formal de qualquer coisa como o que hoje conhecemos como o sistema sacramental católico romano. O cálice foi retirado caprichosa e tiranicamente dos leigos em 1281 no Concílio de Lambeth e novamente no Concílio de Constança (1415). Enquanto reteve o cálice, Roma consentiu que nosso Senhor nos deu a Ceia do Senhor em pão e vinho. Quando as igrejas protestantes confessionais e magisteriais rejeitaram os cinco sacramentos romanos eclesiasticamente inventados (confirmação, penitência, casamento, ordenação e unção dos enfermos) e restauraram o cálice aos leigos, rejeitaram 250 anos de novidades desenvolvidas gradualmente durante o período medieval e impostas aos cristãos no final desse período, sem fundamento bíblico. Os protestantes estavam trazendo a igreja de volta aos dois sacramentos instituídos por Cristo. Eles também estavam trazendo a igreja de volta para a prática universal da antiga igreja cristã.
Os dois grandes ramos da Reforma Protestante, o luterano e o reformado, concordaram que há apenas dois sacramentos divinamente instituídos: o batismo e a Ceia do Senhor. Eles concordaram que ambos são sacramentos evangélicos, representações visíveis da boa nova que estava sendo pregada em púlpitos protestantes. Eles concordaram que, no evangelho, Deus declara que os pecadores são justos somente por meio do seu livre favor (sola gratia) e que a salvação é recebida somente pela fé (sola fide). Eles concordaram que os sacramentos são meios de graça (media gratiae) pelos quais Deus fortalece e encoraja os crentes. Eles concordaram que o batismo é o sinal e o selo de Cristo da lavagem dos pecados somente pela graça, que deve ser administrado aos crentes e aos seus filhos (embora eles discordem sobre sua eficácia), e que a Ceia é instituição de Deus para nutrir a fé dos crentes professos. Eles também concordaram que a doutrina católica romana do sacrifício memorial e propiciatório de Cristo na Ceia é um ataque idólatra contra a obra acabada de Cristo. Entretanto, apesar de concordarem com alguns dos aspectos mais essenciais dos sacramentos, as duas grandes tradições da Reforma discordaram em muitas coisas.
Em contraste com a tradição luterana, os reformados elaboraram um entendimento profundo dos pactos bíblicos como a estrutura na qual compreendiam os sacramentos. No início da década de 1520, Ulrico Zuínglio e outros concluíram que há um único pacto da graça na história redentora, administrado de diversas maneiras, no qual Deus prometeu ser o Deus de Abraão e o Deus de seus filhos.
Os reformados também chegaram a diferentes conclusões sobre a Ceia do Senhor. Eles concordaram que na Ceia os crentes são alimentados por Cristo, mas eles não poderiam aceitar a confissão luterana de que o corpo de Cristo estava “verdadeiramente presente” em, com e sob os elementos. Para os reformados, tal compreensão não considera o ensinamento bíblico sobre a ascensão de Cristo, a promessa do Espírito Santo e a consubstancialidade (da mesma essência) da humanidade de Cristo com a nossa.
Durante as décadas médias do século dezesseis, os de Genebra, os de Heidelberg, e as igrejas reformadas francesas, belgas e holandesas foram para além de Zurique quanto à questão da Ceia. Desde o início da década de 1540 até a sua morte, João Calvino ensinou que na Ceia Cristo alimenta o crente em seu verdadeiro corpo e sangue, por meio da fé, pela misteriosa operação do Espírito Santo. A Confissão Francesa (1559), a Confissão Belga (1561), e o Catecismo de Heidelberg (1563) confessam essa elevada doutrina.
A recuperação da antiga doutrina e prática cristãs dos sacramentos era tão essencial para a Reforma que as igrejas reformadas na Europa e nas Ilhas Britânicas falavam do uso correto dos sacramentos como “marcas” da igreja verdadeira. No artigo vinte e nove da Confissão Belga, as igrejas de língua francesa e holandesa confessaram que há três marcas de uma igreja verdadeira: a “pura pregação do evangelho”, a “pura administração dos sacramentos” e o “uso da disciplina eclesiástica”. O termo “pura administração dos sacramentos” era uma forma suscinta de rejeitar os anabatistas e Roma.
Durante a celebração da Reforma em 2017, você pode ouvir guias turísticos afirmarem que os reformadores removeram sacramentos da igreja. Nada poderia ser mais distante da verdade. A Reforma não foi vandalismo, mas a recuperação de uma pérola de grande valor: os dois sacramentos instituídos pelo nosso Salvador juntamente com as boas novas que eles significam e selam.
Tradução: Camila Rebeca Teixeira
Revisão: André Aloísio Oliveira da Silva
Original: Divinely Instituted Sacraments
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